domingo, 27 de julho de 2008

Juno e eu


Ultimamente tenho ficado deprê com bastante freqüência. As coisas não vão bem: é o malabarismo com a grana do mês, os desafios do trabalho, o pai que não gosta das filhas, a mãe que só chora, a irmã mais nova que preocupa... Enfim, tem dias que parece que todos os problemas do mundo são meus e que não faço idéia por onde começo a tentar resolvê-los.

Em um desses inacabáveis dias, convoquei as meninas aqui de casa para uma sessão de cinema libertadora. Escolheríamos um filme bem "manteiga derretida" pra chorar com os problemas dos outros e não com os nossos - a saída perfeita! Eis que surgiu uma opção despretensiosa: Juno!! Indicado a 4 Oscar e muitos comentários positivos, filme de adolescente, comédia.. blá blá blá. Só não sabia que veria um dos melhores filmes dos últimos tempos.

Comunicação, entendimento e escolhas - tudo o que mas precisamos na vida - é o assunto central do filme. A esperta e ácida Juno MacGuff, 16 anos, engravida de seu melhor amigo depois de uma única noite juntos. Esclareço que a "pontaria" do menino impressiona menos que sua cara de criança - um dos detalhes da escolha do casting que mais me deixou assustada.

Com uma ironia sutil e ao mesmo tempo corrosiva, a personagem assume-se despreparada para o "fardo" de mãe e decide dar a criança para adoção. Até aqui nada de muitas surpresas - adolescente, grávida, adoção.. coisas comuns por aqui né? O diferencial, no entanto, mora nos diálogos incríveis. Leia-se aqui com MUITA ênfase: as frases rápidas e espertas são perfeitas - em inglês, claro - já que a legendagem dá conta de destruir os sentidos das frases... Vivendo normalmente com seu barrigão na escola, Juno encontra em um jornal (sim! os jornais servem para alguma coisa além de embrulhar frutas na feira) o casal perfeito e inicia uma inesperada convivência com os futuros pais de seu filho. Tudo com muita esquisitice regada a uma trilha sonora incrível. Daqui pra frente é só assistindo mesmo...

Sem exagero, Juno é o tipo de filme que eu assistiria toda semana. É sensível, honesto e inteligente como poucos. O filme, com suas várias pitadas de esquisitice, soube melhorar uma noite "daquelas" aqui em casa. Aprovetei e notei que nem todos os problemas do mundo estão em mim! Tenho solução ainda...


Foto: Divulgação.




domingo, 20 de julho de 2008

Aconchego


Sair de São Paulo é sempre muito agradável, sobretudo pra quem veio de cidades mais acolhedoras como é meu caso. À medida que o carro se afasta da metrópole, nuvens do capitalismo e da poluição se dissipam e o céu fica mais estrelado, bonito... Isso sem contar com a lua - cada vez mais próxima, redonda, gigantesca... Assim também fica meu pensamento. Ao deixar tudo aquilo pra trás nesse final de semana, a cada quilômetro de estrada, a cada pedágio, passado o Hopi Hari e os milhares de Graals que têm por aí, tudo ficou mais tranquilo dentro da minha cabeça. O ar mais puro deixou também minha consciência mais mais limpa e organizada.

Com tudo mais ajeitado, fui percebendo o efeito de São Paulo sobre minha vida. Caramba! É uma coisa louca. Se você que me lê é da grande cidade, não se assuste. Antes de me chamar de "lunática", experimente sair um pouco da maluquice desse trânsito aí, do seu trabalho, da pressão, da poluição, falta de ar e tudo mais... Respire um bom ar de uma cidade qualquer fora do perímetro urbano. Você vai se surpreender como suas narinas ainda podem ser felizes!! Mas, se você que me lê aqui (se é que alguém lê de fato... rs) é de uma pacata cidade mediana e aconchegante, sabe muito bem do que estou falando. É de paz de espírito, pessoas que sorriem pra você na rua, o bom dia na padaria, o alô na praça, a hospitalidade do ar e do lago e muito mais.

Ai ai. Saudades de casa...
Imagems: GettyImages.com.br

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Decidido está

Decidi que esse diário precisa ser, de fato, um diário. Ultimamente, está mais para quinzenário.
E também acho que precisamos de mais toques de bom humor. Quem me conhece sabe que não sou de ficar pra baixo assim. Ok.

Aguardem.

domingo, 6 de julho de 2008

Festa junina

Ontem foi um dos poucos dias em que me senti completamente confortável nessa cidade. Explico: é que São Paulo (e seus habitantes) pode ser muito incauta para quem acaba de chegar, em algumas ocasiões...
Mas, ontem, embalados por um fim de sábado atípico, os moradores da vila que fica atrás de nossa casa mostraram que conhecem bem as festanças no interior. É uma vila supersorridente, alegre e cujos moradores comemoram juntos várias datas festivais. Possuem, sobretudo, um clima de família com o qual me identifico. Com todos vestidos a caráter, a festa teve de tudo que muitos paulistanos (penso!) não conhecem ou, ao menos, ignoram: casamento caipira, paçoquinha, quentão, pipoca, correio-elegante, quadrilha, docinhos de abóbora no formato de coração, maçã-do-amor e muita música junina.
Da janela, me enamorei de todos aqueles personagens que tanto habitaram minha infância (lembrando de quando fui noivinha, dancei aquela bela quadrilha, etc etc). Fiquei ao menos uns 40 minutos a admirar como algumas coisas simples ainda fazem as pessoas felizes aqui nessa maluquice de megalópole. Realizada (havia ganho o sábado!!), pus um som da minha terra, preparei uma comidinha, abri a cerveja e me diverti sozinha assistindo à felicidade da vila. A vida pode ser simples, basta a gente descomplicar!

O início do fim

Cheguei louca de saudades. Pensava apenas em abraçar a todos, rever bichos de estimação, conversar com os vizinhos e visitar parentes queridos. Ao tirar a mochila das costas corri para meu quarto. Ah! Como é bom estar em casa de verdade! Tantas fotos na parede, travesseiro sem cheiro de aluguel, porta-retratos com gostinho de bons momentos e muita, mas muitaaa compreensão. Na mesa da cozinha, um café reforçado para recuperar forças. Pão, requeijão, café preto, leite quente e conversa em dia. Mas, no meio da toalha florida, percebi o semblante triste dela. Havia algum segredo. Pensei que nada poderia ser tão sério e não-resolvível. Não era bem assim... minha mãe contou tim tim por tim tim. Detalhes, fatos, coisas horríveis. Nossa honra estava profundamente abalada. Choquei de uma forma que nunca pensei em ficar. Nem mesmo havia acontecido comigo e estava um trapo completo. Um filme de nossa infância me passou pela cabeça (coisa mais brega, né?). Só lembrava das nossas diversões. Queria fazer alguma coisa para mudar aquele destino terrível. Era, sem dúvidas, o dia mais triste de minha vida. Só pensava em ficar na porta do quarto dela para olhar para seu rosto quando ela saísse. Pensava que sentiria que aquilo era apenas um pesadelo. Não era. Era sim o início dos dias mais infelizes da minha vida.

Receitas secretas para dar rumo à saudade

As receitas aos domingos não eram apenas de vontade de comer, passar o tempo e ter louças para lavar. Todas as comidas preparadas diziam um pouco sobre seu passado que ainda tinha cheiro de tinta fresca na parede. Todas as guloseimas e quitutes vinham de um antigo caderno de receitas, daqueles com manchas de farinha, açúcar e manteiga que impregnam de tanto usar. Não era apenas um livro rabiscado com receitas. Preste bem atenção: era um verdadeiro baú de segredos que vinham de sua avó, passavam pela sua mãe e seguiam pelas novas gerações (sua irmã sempre foi uma cozinheira de mão cheia). Fórmulas que nasciam de suas cabeças, pensadas para fazer pessoas felizes. Ela pensava que, como nas receitas, sua família também era muito heterogênea. Uns são a farinha que dá a liga ao bolo; outros são o açúcar para encher de sabor; outros ainda, manteiga (lisos como só). Gostava dessa forma. Cada mistura diferente trazia um tempero, um aroma, um sabor variado e ao mesmo tempo extravagante. Quando saía com a mãe, tendia a ser mais serena e a ouvir mais - conselhos sempre foram necessários. Já quando passeava com a irmã mais nova, tinha certeza de que sua vocação era ser farinha, na certa - era ela quem servia de conselheira. Misturas: eram tudo que isso queria dizer. Para não perder o costume de sentir essas fragrâncias características e não se esquecer de nenhum detalhe, escolheu ser assim. Ia para a cozinha sagradamente aos sábados e aos domingos para preparar café, almoço e janta. Não pensava em cinema, teatro, discotecas ou no filme da TV. Gostava mesmo era de encher o apartamento com o cheiro de sua casa materna: café, bolos, pães, feijão, bife. Aquele odor tão familiar e recompensador. A receita de bolinhos lhe lembrava a avó - a casa adquiria um aroma inconfundível quando chegava a hora de passar as delícias na canela e no açúcar. Na macarronada, sempre se lembrava da mãe. A progenitora fazia do prato mais simples uma verdadeira iguaria dos deuses, daqueles dos quais não se quer largar. O segredo? Uma pitada de... Bem, é segredo! Da irmã, sempre se recordava nas horas de pensar nas sobremesas... Tortas, quitutes, cremes, gelatinas, tudo para lamber os beiços, os dedos e até o prato. O que ninguém que come suas iguarias sabia é que o que ela mais queria mesmo era dar um rumo para sua saudade. Extravasar o que já não podia mais esconder de ninguém. Cozinhar para estar mais perto de quem ficou tão longe. Mas isso ninguém sabia. E é segredo, ok?

Irmandade

Ele passou o aniversário fora de casa. Não fora, lá na chuva, mas muito longe de um lugar que se pode chamar de "lar" de verdade. Não era só mais uma primavera. Era também um inverno, um outono e um verão longe de sua gente. Tinha agora 23 anos (1+9+8+5), era homem. As obrigações da vida o fizeram mais rígido para cumprir sua tarefa de sobreviver nas terras incautas. Mas o presente de seu irmão o tirara da linha. Sentia falta deles. "Irmãos são pessoas que não fazem falta apenas quando precisamos de um favor, mas sobretudo alguém que, em nosso aniversário faz falta e demais!", pensou. Sentado na frente do notebook, mais uma vez, deu de cara com a homenagem que seu igual de sangue lhe fez em um desses milhões de fotologs que existem web afora. Era uma página dedicada a sua própria pessoa mais velha naquele dia. Lembrava dos dias na praia a brincar de castelo de areia e do famoso sorvete que montavam quando estavam na casa da avó. E como não havia ninguém por perto, enquanto lia, chorou (como há muito não fazia). Entendeu o sentido da irmandade: não importa de onde, irmãos sempre hão de se lembrar com carinho uns dos outros. Sobretudo nesta data tão especial para ele. E os amou ainda mais.

foto:
www.sxc.hu

Amor


É só lembrar que AMOR é tão MAIOR que estamos sós no CÉU. Amava com todo o sangue que existia em seu corpo e era bem mais feliz assim.

Se eu pudesse...

Se eu pudesse, em 2007, teria prestado mais atenção nas gotas de chuva caindo na minha janela ou talvez teria comprado aquela samambaia que sonho lá pra casa. Quem sabe, se voltasse no tempo, teria lido mais livros da minha lista ou até mesmo andado com mais atenção pelas minhas ruas preferidas de São Paulo. Se tivesse tido mais tempo, riria mais dos magníficos personagens que vejo nas ruas e, certamente, descobriria facetas nunca dantes notadas.
Foi um ano bom... mas se eu pudesse voltar, teria feito menos coisas contra a minha vontade. Quem sabe arrumaria uma nova profissão: a dobrar as nuvens ao final da tarde e guardá-las numa gaveta para que, com o céu limpo, a Lua reine soberana. Isso sim seria uma profissão digna. Minha patroa seria a Lua, astro maior, e a humanidade precisaria de mim impreterivelmente.
Sé me resta projetar para o ano recém-nascido mais paciência. Quem sabe um dia, não dobrarei as nuvens mesmo!
Bom "feliz ano novo" pra todos... até para a Lua.

Natal com gostinho de felicidade

Postado no Natal passado...

Era a primeira vez que passava as festanças e exageros longe de lá. De um lado, a janela; do outro, a solidão. Longe de casa, do cheiro característico do quarto planejado. Assistia sempre que possível ao espetáculo da neve branquinha e pura que cai sem parar lá fora daquelas quatro paredes. O frio lhe perseguia desde o aeroporto, onde colocara meias e roupas extras, e até agora lhe congelava a espinha. O lugar era incauto, mas o trabalho era interessante. As pessoas também. Admitia que ali estava por própria vontade. Outra cultura, outro semblante no rosto das pessoas. Habituou-se à nova vida como uma criança que aprende a comer de garfo e faca para não decepcionar os pais à mesa. Ao chegar, anotou em sua memória todas as malandragens necessárias para sobreviver ao frio, à comida insalubre e aos pés congelando. Assim que começava um novo mês, partia até a biblioteca para reservar todos os horários disponíveis no computador. Se não tinha dinheiro para ouvir a voz de seus familiares sempre, ao menos podia senti-los virtualmente. Bem de longe, no meio dos livros e dicionários estrangeiros, podia se sentir um pouco em casa. Viva a tecnologia!! Acompanhada de seu chocolate quente e munida de olhos na janela (nevava demais), ficava a esperar o contato com aquele mundo que, agora, em tempos natalinos, parecia ainda mais longe. Sim, era Natal. O primeiro de seus 21 anos longe de suas origens. Fora bem recebida, mas nada como sua casa, seu canto. As luzes da árvore de enfeite refletiam na neve da escadaria lá fora e gostava de pensar que o gelo poderia ser vermelho, azul, verde e de todas as outras cores. Empenhou-se em lembrar como se reuniam – irmãs, tios, avós, mãe e até mesmo o ai (em outras saudosas épocas) – para preparar a árvore da família. Pensava no calor de sua terra e de sua gente. Até o enfeite era mais bonito. No derradeiro dia, saiu mais cedo para ligar para casa e ouvir vozes mais conhecidas. Antes, no entanto, o jantar. No refeitório, o cheiro da comida lhe lembrava tudo, menos o peru de natal assado com tanto carinho pela mãe ou o arroz temperado com guloseimas da avó. Fechou os olhos e, ao mastigar os alimentos sem tempero, tentava imaginar o sabor da Ceia de Natal em casa, todos reunidos, presentes, festa, sorrisos, aquela oração em volta da mesa, olhares furtivos e risonhos entre os primos menores. Eram apenas sete da noite ali, mas lá já era natal. Ainda de olhos cerrados, era como se tomasse parte à mesa com seus familiares e sentisse o gostinho da uva passa no arroz com curry, do pêssego à moda da casa e da sobremesa especial preparada pela tia. Misturava lembranças, cheiros, sons... Terminou de mastigar, limpou com um guardanapo o gosto de felicidade que saia de sua boca, reuniu sua força de vontade em uma tigela para mais tarde, sorriu sozinha como um bebê em seu berço. E voltou à rotina. Tinha resolvido nunca mais estar longe para aquelas festividades tipicamente “família”.

Nas entranhas da alma

Era dia de faxina na alma.
Sacudiu os pensamentos pare retirar a poeira encravada nos cantos da imaginação. Levantou os tapetes da emoção para limpar até o último ácaro sujo. Tirou o pó de perto de seus sonhos, para que estes não envelhecessem e, quem sabe um dia, pudessem sair do plano imaginativo. Chacoalhou os quatro cantos de sua libido para reforçar o amor e a paixão pelo seu próprio corpo. Bateu os lençóis do tempo presente para tirar todos os resíduos de desânimo, incompreensão e paciência.
Jogou com as duas mãos um punhado do mais límpido alvejante em seu passado. (Queria separá-lo em um canto da memória para não tropeçar mais nele. Sua vida anterior lhe aparecia em sonho sempre que estava triste. Para evitar isso, também amarrou as pontas das cenas desse mesmo passado para que, presas, não mais a confundissem no passo a passo de sua vida).
Sem pressa, jogou três baldes de água no chão de sua racionalidade para limpar os pensamentos perversos e invejosos. Esfregou com uma bucha todas as mentiras de sua infância contadas pelos familiares (cansara-se de todas elas!). Enxugou as lágrimas das portas da imaginação e prometeu dar um jeito para que elas nunca mais apareçam (não ao menos por causa da tristeza). Estendeu no velho varal todas as lembranças empoeiradas que gostava de ter – casinhas de bonecas, brincadeiras de criança, cheirinho do travesseiro e namoro no portão. Por fim, ajoelhou-se e passou cera de assoalho comum em sua inocência corrompida pela vida – sempre quis voltar a ser criança. Aproveitou para lustrar suas eternas verdades... fazia tempo que não as revia de tão perto.
Com a limpeza, veio a essência. De alma transparente e pura, acrescentou um cheirinho de casa nova com requintes de amizade. Mesmo branco, seu espírito tinha agora cores de borboletas em dias de primavera e foi além – cheirava a tulipas fora de estação. Recolheu os objetos de limpeza. Renovou-se.
Queria uma faxina completa, foi lá e a fez. Agora, leve, pretende seguir em frente, não precisaria mais se mudar.

Dores

Tivera dores de estômago por causa da agonia. Ainda tinha. Agonia de viver fraca, o peito estravasado, o mel correndo. Ligara dezenas de vezes e nada. Esperou retorno e nada. Pensou em ir até lá, mas a dor aumentaria certamente. Tomou um digestivo para dissolver os sentimentos podres que brotavam nele, o estômago. Não adiantou, a dor era crônica e sentimental. Não tinha nada com comida - até porque fazia dias que não comia nada substancial. Como se fosse pouco, a cabeça desatou a doer. Pensava em bolhas que ao invés de sabão, eram feitas de pedra e estouravam dentro de seu cérebro. Precisava resolver o drama de seu passado para ter, ao menos, um presente feliz. Pre-s-sente. As olheiras vieram de brinde

Assobio querido


Esta noite Laura acordou sem saber onde estava. Até gostava da sensação por vezes estranha... O único problema era não conseguir mais dormir depois do sobressalto. Isso sempre acontecia quando era menina ainda. Dormia na casa de sua avó Rita e, (se lembra com um pouco de saudosismo) no meio da madrugada - lá pelas 4, pulava de susto na cama improvisada tentando recordar onde estava. Repassava as imagens em sua cabeça, filmes de durante o dia, a escola, as irmãs, o ovo frito, o banho, a novela... Tinha medo de ter sido transferida para algum outro lugar desconhecido... O escuro da sala não dizia muita coisa e, por isso, misturava curiosidade e emoção. Agarrava o travesseiro e tentava se encontrar (ele tiha um cheirinho característico de casa - tem até hoje). No espaço de um minuto tudo acontecia... Mas, bastava ouvir um assobio de canções de igreja misturado com um cheiro de café e algum barulho de canecas de leite para se acalmar. Daí lembrava que a avó tinha o costume de acordar cedo e preparar o café da manhã saboroso. Estava em casa, com sua gente. Sã e SALVA. S-A-U-D-A-D-E.

Sintonia fina

Estava apenas em sua mão. O destino do amor pertencia a ela. Confusa por suas incursões nos pensamentos do passado, a menina ia até a janela e pensava. Teria que decidir pela razão se quisesse paz. Por outro lado, para ter a liberdade de ser livre (é isso mesmo), teria que escolher com o coração. Pensava em pétalas de rosa, cartão de natal, correntinha com pingente de coração, viagens e telegrama. Lembrou de quando no circo só eles riam, ninguém mais entendia a piada. Ninguém mais. Sinal da sintonia que enlaçava os dois. Bastava saber se a sintonia continuava. Será?
A rosa e suas pétalas estão em suas mãos. O que fazer?

posterIDADE







Sonhos de ilusão eu sonhei desde criança.
Alguns eram sonhos azuis feitos de um algodão doce anil como o céu. Queria ainda andar em cima de uma gelatina gigante. Surfar em uma onda de marshmallow só pra mim. Nadar dentro de um pote gigante de sorvete de flocos e cada floco seria uma embarcação diferente. Voar em cima do avião só pra separar um pouco de nuvem pra mim e guardar num potinho pra posteridade. p-o-s-t-e-r-IDADE. Ela chegou.
E eu parei de sonhar ilusões, coisas de crianças...

Como é bom ser criança - fica na barriga pra depois nascer...


Hoje é dia de mais lembrança. Em meio a uma preocupação e outra, surge uma imagem da infância na memória. É bom lembrar e registrar bem para que a rotina estafante não a faça esquecer de tudo. Sua gente. Suas origens.
Pensou nas coisas mais divertidas: amarelinha, mãe-da-rua-colorida, jack’n pô, stop!, fly-si-si-olá, pé na lata, pimponetá-petá-petá-ferrugem. Gostava mesmo era do caça à bandeira, dos elásticos nos dedos, e de andar calçada sim-calçada-não no calçadão da cidade antiga.
Riu um riso que gostava de ouvir. Há tempos não ouvia esse som. Ninguém entendia. Mesmo assim, foi além: lembrou com extrema alegria das partidas de super trunfo com primos mais velhos, do jogo da verdade, das casinhas de barbie com direito à piscina, do café-da-manhã surpresa no dia das mães. Ta ta – também tinha café no dia dos pais, mas era mais difícil de enganar o pai. O gato-mia, o ski-bunda com caixas de papelão, a casinha da árvore e o pula elástico também estavam na lista de diversões que relembrava. Não podia esquecer do babaloo-é-califórnia-califórnia-é-babaloo, do a-cela, dos banhos de mangueira com direito à toboágua nos dias quentes demais e do escorregador na rampa da casa da vó com o tapete velho e esfarrapado, banho de mangueira com direito à toboágua...
Suspirou e voltou ao trabalho.
"Como é bom ser criança: fica na barriga pra depois nascer"

A soma de duas metades


Tem dias que uma simples música fala mais que uml ivro inteiro de idéias. Pois então aí vai:

"Como arroz e feijão, é feita de grão em grão nossa felicidade....
Os opostos se distraem.
Os dispostos se atraem".

By O Teatro Mágico

Chinelos vagabundos

O diálogo entre as nordestinas fez acordar mais cedo a menina. O ônibus ia lotado. As nordestinas - também clichês na metrópole vazia de sentimentos e cheia de subempregos, arrastavam palavras como quem arrasta os chinelos pelo chão. O sotaque marcante não escondia rostos e mãos e pés e cabelos cansados da vida calejada das migrantes. Na conversa, riam do luxo dos patrões, ricos da grana mas pobres de espírito. O chefe havia pago vários meses do salário delas para levar o cão de acompanhante no avião para as férias em Salvador (curiosamente, a cidade de onde vieram). "Só em sonho", suspiravam. As retirantes não só despertaram a garota do sono como a acordaram também para as inutilidades dos ricos moradores da metrópole incauta. Tanta gente ganhando tão pouco - pleonasmo quando se fala em Brasil. Mas na capital da solidão aquilo era e vai ser talvez pra sempre (não se sabe) a coisa mais comum do mundo.(continua)

Terra de ninguém.


Não se dava mais ao luxo de ser contraditória. Havia descoberto coisas mais paradoxais que o próprio umbigo: a metrópole onde escolhera morar. Um lugar que, diante de todas as cidades do mundo, abriga um pedacinho de várias culturas. Do alto dos seus mais de 400 anos, essa metrópole é um mundo novo para alguém novata de sensações e experiências. A única coisa que, de fato, não tinha nada de novo era o ar da cidade. Haveria de lembrar saudosa das noites e dias em que o tinha o prazer só de olhar o céu. A cidade desvairada já não mais assustava, porém era paradoxal. Um paradoxo que ultrapassa a contradição existente entre as estações Palmeiras/Barra Funda e Corinthians/Itaquera ou as diferenças gritantes entre a beleza dos bairros da Zona Leste e da Zona Sul. Para os incautos, a cidade parece inspirar uma agitação mútua das pessoas ao mesmo tempo que expira um incompreensível ar de solidão - ao som dos famigerados mp3, mp4 e mp5 players já em domínio de variadas classes. Mesmo assim, o paraíso é extremamente belo. A novata está disposta a dormir tarde, acordar cedo, correr atrás de ônibus, metrô, lotação, comer mal, viver cansada, cansada, cansada... cansada de não ver mais a lua. Para uma pessoa cheia de sensações e de espírito paradoxal, a cidade lhe parece bem acolhedora.

Fale baixo, por favor...

meia noite e sono que é bom nao veio. fico em busca da madrugada. bom é olhar a parede do teto no escuro. os problemas ficam mais claros. mas o barulho de sirene na noite perdida tira a concentração. tudo nublado. no trabalho, nublado no metrô, nublado nas pessoas com semblantes nublados. aqui tudo é nublado. por isso penso em minha gente. lá é melhor do aqui. as pessoas sorriem. o coraçao tá apertando. a vó voltou a cuidar de mim (tarde demais?). entro logo em órbita no espaço de mim mesma. fale baixo para que a madrugada não acorde. quero ficar aqui pra sempre. gosto do meu silêncio. mas ele não entende. ninguém entende. também! fica difícil. tem dias que lembro de eva, a primeira mulher. ela sim era feliz. gosto da menina má de Llosa também. ela vive intensamente. é desbocada. é feliz. por isso, só existe no livro. já Lia Shultz de Lígia me assemelha melhor. silêncio, por favor.

Acordou...

acordou com vontade de música. buscou nos cds o que podia saciar sua sede. buarques, hermanos, bethânias, caetanos. acordes de outros, mas que podiam ser seus pelo menos por minutos.
acordou também com vontade do bolo da vó. ela tem seguido a neta pela cidade toda. onde menos se espera lá está ela. a música ajudou a matar a vontade - falava de clarear a vida. destino. vida. suin. sonho bom. boa é a música. Assim sentia mais calma.
acordou com vontade do pai brincando de gato mia com as filhas no quarto imenso. a mãe ficava dormindo, preguiçosa. o quarto era grande. hoje é pequeno. as filhas cresceram, a casa inteira, não. ficou pra trás junto com toda a "felicidade". não fazia disso drama nem dor. bastou. lágrimas que secam. hoje é só vontade.
Se peca, aliás, é na vontade. acordou com vontade de chuva, bem fina, daquelas que param o trânsito. por que o trânsito pára quando chove? O que muda? a chuva é poderosa mesmo. acordou com vontade de banho de chuva com os primos na casa da tia. a gripe era certeira, mas a alegria da hora era mais certeira ainda.
saudade, saudade, saudade. haja guarda-chuva pra essa chuva de saudades.