segunda-feira, 15 de agosto de 2011

amores modernos 1

Sentada na cafeteria, apenas flertava com seu café numa boa, sem segundas ou terceiras intenções. Folheava o livro sem muito interesse -- desde pequena tinha apreço por figuras. A verdade é que não sabia porque trabalhava com palavras, se preferia os desenhos. Gostava também de ficar inerte em um café qualquer, pensando em nada mais que no movimento de seus dedos folheando as páginas de um livro ou uma revista qualquer.
Foi quando ele entrou, apressado, com o pescoço enrolado em um cachecol em busca de um café. Pé a pé, olhos serelepes, chegou em sua mesa, removendo as luvas e instalando um belo sorriso colgate em seus lábios rosados do frio.
- Você é a Michelle?
Os olhos inertes se descuidaram da revista e o miraram. Percorreram seu adidas surrado, suas calças coloridas e a camisa monocolor. Chegou ao cachecol preto e alcançou seu olhar, que sorria fosforecentemente. Teve certa pena ao dizer:
- Não sou a Michelle... Desculpe?

A face do moço perdeu o brilho. Parece que Michelle era alguém importante. Mas alguma coisa lhe fez fixar o olhar na expressão do novo habitante da cafeteria.
- Ah, imagine. Não precisa se descupar, eu é que peço desculpa. Você aí, toda vidrada em alguma leitura interessante. É que esperava encontrá-la. Sabe, não a conheço. Quero dizer, falamos pela internet algumas vezes, sem parar. Sei que ela gosta de vermelho, usa mais vestidos do que calças, é alta, bonita, tem os cabelos ruivos para combinar com suas sardas. Combinamos um café tem algum tempo. Ela disse que viria. Mas que besteira a minha.

Seus cilios se movimentam, frenéticos. Quanta informação! E não é que ele esperava um encontro com a tal deusa das sardas?
- Sabe, você pode não ter percebido, mas não sou ruiva, nem tenho sardas. Seria uma forma de descobrir...

- Puxa, é mesmo.
- Bem, você ao menos sabe se ela se chama Michelle mesmo?

- Por que ela mentiria?

(Não parece óbvio?, ela pensou)
- Porque vocês se falam em uma tela? Qualquer pessoa pode ser Maria, Michelle, Rita, Joana... Não preciso estudar anos de teoria da comunicação para entender que, nesses tempos de internet, o meio é a mensagem.

- (silêncio)
- Ah, vamos lá. Ruiva, com sardas? Bonita, inteligente? Eu posso ser a Penelope Cruz, se eu quiser que uma pessoa do outro lado da tela acredite.
Ele se senta. Ela não espera que ele admita a besteira.
- Sabe o que seria real?

- Hum?
- Você saber qual é o número favorito dela no Mc Donalds. Ou ainda saber se ela pede suco ou refrigerante light junto com seu big mac ou cheddar. Saber dizer qual é o seu Poderoso Chefão favorito (1, 2 ou 3), se ela curte Miles Davis ou Zeca Pagodinho. Se é do tipo filme de terror ou comédia. Kaiser ou Skol. Essas coisas...

- É... Besteira tudo isso.

(pausa e considerações).

- Desculpe mesmo.

E ele se afasta. Cada louco, ela pensa. E, quando está prestes a mergulhar novamente em sua leitura de imagens, ele se reaproxima e diz:

- Bem, mas qual é seu número favorito no Mc?

Ela sorriu, como quando vê chuva e sol (casamento de espanhol), ao mesmo tempo, na volta do almoço. Sentiu uma fisgada no estômago, um frio na barriga. Ele gargalhou com as bochechas. Ela abandonou a revista e os dois engataram um papo sério sobre preferências. Pediram mais café.

De repente, a Michelle ficou para trás de um modo definitivo.

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